quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

FIJ: A Lei do Judô

Se os amantes do judô são loucos, deveriam nos prender porque é preciso professar muito amor para se levantar num domingo, quase de madrugada, para ver televisão. O judô oferece momentos como esse, cheios de paixão, pelos quais vale a pena dormir menos horas.

O Japão tem um problema que só os grandes podem ter. O problema, por mais contraditório que pareça, é viver na abundância e na prosperidade de uma escola de judô que brilha, iluminada por excelência. Tudo bem e dá inveja a muitos, mas quando se tem uma academia brilhante com apenas um judoca por categoria podendo ir aos Jogos Olímpicos, podemos imaginar a dor de cabeça de dirigentes e treinadores. Assim, o Japão anunciou os nomes dos escolhidos para defender as cores do país em casa, nos Jogos de Tóquio; os nomes de todos menos um.

Há uma categoria de peso especial, pois os números 2 e 3 do atual ranking mundial aspiravam estar nos Jogos; dois homens que não são qualquer um, mas os dois últimos campeões mundiais. Estamos falando da categoria -66kg e do Hifumi Abe e do Joshiro Maruyama. Ou seja, o campeão mundial em 2017 e 2018 contra o atual campeão. Em geral, quem marca mais pontos é quem participa dos Jogos. No entanto, no Japão, eles fazem as coisas à sua maneira.

Há quem prefira o Maruyama de 27 anos, carrasco de Abe em 2019. Quem conhece o judô diz que ele é um gênio, uma nova versão de Ono e por dois anos parecia que já havia se avaliado o rival.

Outros apoiaram Abe, 23, que tem contrato profissional e patrocinadores desde os treze, com a sua igualmente famosa irmã, cuja força física e mental inspira o respeito de todos.

Para satisfazer a todos, a federação japonesa optou pela lei não escrita do esporte: uma luta entre os dois e que o melhor venceria. É por isso que acordamos cedo no domingo, 13 de dezembro, para ver o último capítulo de um drama fabuloso que poucos contextos, além do judô, podem oferecer.

Abe saiu em modo ofensivo, muito ativo, enquanto Maruyama esperava. Uma sensação de calma emanava dele, esperando o momento certo para atacar. Maruyama gosta de competições longas porque com o tempo seu judô aumenta de tamanho. Abe é mais explosivo, precisando finalizar antes de seu rival. Foi uma oposição muito acirrada, um confronto acirrado em que o kumikata e a concentração foram decisivos. Tudo indicava que a luta terminaria em waza-ari, como acabou. Abe atacou com um uchi-mata e Maruyama aproveitou a oportunidade para contra-atacar antes que o lançamento tivesse chance de se formar. Abe não caiu, ficou de pé e executou um waza-ari de reserva de passaporte, com mudança para o-uchi-gari, para sua passagem para as Olimpíadas.

A luta de 4 minutos resultou em mais 20 minutos de pontuação de ouro. Vinte e quatro minutos de judô ao mais alto nível! É hora de fazer um risoto, ler meio jornal ou passear com o cachorro. 24 minutos no judô é uma façanha. Os dois acabaram exaustos, Abe se banhou em lágrimas de alívio e Maruyama com a elegância de um campeão derrotado.

Hifumi Abe

Os puristas podem ficar satisfeitos porque as regras de nosso esporte não deixam margem para dúvidas. Outros lamentarão a ausência de Maruyama e argumentarão, como já fazem, que os melhores, mesmo que sejam mais de um, têm o direito de estar presentes no auge de sua carreira esportiva. A verdade é que uma luta entre dois monstros desse tipo não é algo comum. Por isso o judô é tão bonito e exigente, porque mesmo quando a felicidade de um significa a tristeza de outro, o vencedor é sempre o mesmo: o nosso esporte. É o judô que nos faz apaixonar e que nos acorda de madrugada quando o resto do mundo ainda dorme.

Por: Pedro Lasuen - Federação Internacional de Judô


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