Presidente do Reação, o judoca medalhista olímpico Flávio Canto também se emocionou nesta sexta. Ao tomar conhecimento da história de Popole e Yolande, foi ele quem abriu as portas da entidade aos congoleses. O sensei Geraldo passou a treiná-los na unidade do instituto que funciona na Faculdade Estácio, em Jacarepaguá, na zona Oeste do Rio de Janeiro.
Os “filhos adotivos”, como Geraldo diz, ganhavam do Reação cesta básica e ajuda de custo para transporte. O judô, que já praticavam no Congo e que fazia falta na vida de ambos, era um grande alento na vida em reconstrução, e a chance de participar dos Jogos Olímpicos se tornou o maior estímulo. Mas as dificuldades financeiras permaneciam. Dormir ainda era uma tarefa árdua. Popole é casado com uma brasileira, tem um filho de um ano e quatro meses e precisava ajudar nas contas. Yolande morava de favor na casa de uma amiga e mal conseguia contribuir.
Outros motivos de insônia
Nos últimos meses, a situação melhorou. Eles passaram a ganhar uma ajuda financeira da Faculdade Estácio, onde, além de treinar, também fazem aulas de reforço para melhorar o Português. Pelo Programa Solidariedade Olímpica do Comitê Olímpico Internacional (COI), receberam, ao todo, doze mil dólares cada um – cerca de 43 mil reais – que trouxeram alívio e permitiram dedicação ainda maior aos treinos.
Yolande conseguiu também sair da casa da amiga na comunidade de Cidade Alta, zona Norte do Rio, e agora mora sozinha no bairro de Bonsucesso, na mesma região. Para completar, o sonho olímpico deixou de ser apenas um sonho. O motivo da insônia, nesta sexta-feira, vais ser outro.
“A história mudou, é muita emoção junta. Nem sei como vou dormir, é um dia que não vou esquecer. Sou atleta, o sonho de qualquer atleta é lutar um Mundial, uma Olimpíada. Eu ainda vou contar essa história para os meus filhos”, disse Yolande.
“Quero agradecer ao Comitê Olímpico do Brasil, ao Comitê Olímpico Internacional, à Estácio, ao Instituto Reação que me ajuda muito até hoje. Estou feliz mesmo, é um dia emocionante, o coração está batendo demais, agora é buscar mesmo a medalha”, acrescentou Popole.
Não é só participar
Os dois atletas concordam: se vão estar nos Jogos, então o foco é o pódio. Nada de se satisfazer apenas com a participação. “Todo lutador, todo atleta, se está treinando, é para ganhar. Ninguém treina para perder, estou treinando para chegar ao pódio. Se a medalha vier, é para o Brasil, para o Comitê Olímpico do Brasil. Eu estou aqui, sou refugiada, tenho documentos neste país, já é meu país, já sinto que é a minha casa”, afirmou Yolande.
Geraldo é o primeiro a dizer que eles têm condição de lutar por uma medalha, mas já considera a participação nos Jogos Olímpicos uma grande vitória. “Apesar de ter ido a quatro Olimpíadas como técnico e ter tido várias emoções, isso é diferente. É um trabalho humanitário, de vida, que está culminando com a participação deles. Minha missão é treiná-los, se vou estar ou não com eles lá na hora é uma decisão do COI. Claro que gostaria, mas se não puder, fico feliz pela transformação que conseguimos realizar. Eles já são vitoriosos”, disse o sensei.
Velocidade, força e regra
De volta ao semblante: além de mais alegre, o rosto de Yolande está mais fino. Os 14 quilos que ela perdeu nos últimos meses têm a ver com a melhora na alimentação e com a dedicação aos treinos.
“Ela tem treino de judô todo dia e treino físico três vezes por semana. Tem também a motivação por estar conseguindo as coisas. Yolande aumentou a massa muscular, a gordura corporal baixou. Agora vamos intensificar o treino de força”, explicou Paulo Caruso, preparador físico e treinador do Reação.
O potencial de Popole chama a atenção de Paulo. O desafio até os Jogos é focar nas correções técnicas e no conhecimento das regras. “Popole é um atleta extremamente forte, muito rápido e perigoso. Ele tem pouca experiência internacional, isso pesa contra. Mas tem o lado de que ninguém o conhece, não sabem qual o golpe mais forte. Vão tentar usar a regra para vencê-lo. No judô, tem muito ganhador pela punição, e você é punido por não saber usar a regra, e isso a gente quer evitar”, disse.
O judoca tem consciência do tamanho da oportunidade e não vai economizar suor. O empenho não é só pelo esporte, mas por todos os refugiados e pela família dele. “Já me separei da minha família há muito tempo, até esqueci a cara do meu irmão. É a minha chance de aparecer na televisão e minha família saber que estou vivo no Brasil. É a oportunidade da minha vida, vou lutar por todos os refugiados ”, disse.
Carol Delmazo, brasil2016.gov.br