Paula Pareto
Não é um adeus, é um até logo, porque não costumamos perder o contato com nenhum judoca; não é o nosso estilo e muito menos com ela. Mas ela vai embora. Ela desliga o judogi para trocá-lo pelo jaleco porque é médica e porque está na hora, diz ela. Ela tem todos os títulos desejáveis, com um corpo cansado e uma mente ágil. É a sua marca: sempre atenta, disponível, uma boa médica, uma judoca excepcional.
Por que você está se aposentando agora?
Acho que meu corpo deu tudo e até mais do que poderia. O alto desempenho faz com que a cabeça exija do corpo, às vezes mais do que pode. Isso pode causar lesões e, quando se acumulam, é a hora de dizer o suficiente.
Acabou de vir à sua mente ou foi uma decisão mais longa e ponderada?
Sim, eu já estava pensando que Tóquio seriam os últimos Jogos, anos atrás.
Como você lida com isso agora que não é mais um judoca profissional?
Muito bem! Estou aproveitando meu trabalho de médico, dedicando mais tempo à prática e aos estudos nessa área e também ajudando na formação técnica dos judocas que continuam treinando até hoje.
Vamos viajar na máquina do tempo. Quando você começou o judô e por quê?
Comecei aos 9 anos, porque nos tornamos sócios de um clube e meu pai nos ensinou que havia um esporte chamado judô. Meu irmão começou primeiro. Comecei em uma segunda aula quando aprendi sobre o esporte. Além disso, havia também o bom vínculo que sempre tive com meu irmão.
Gostou imediatamente ou precisou de algum tempo para se adaptar?
Não, sempre gostei. Na verdade, eu comecei por causa disso. Se eu não fosse atraído por isso, nunca teria começado.
Como foi a evolução entre seus primeiros passos e o título olímpico?
As coisas foram acontecendo aos poucos. Primeiro indo para torneios interclubes e depois provinciais, nacionais e assim por diante. Passei para o Pan-Americano e depois para a minha primeira Copa do Mundo em 2007, quando me classifiquei para Pequim 2008. Foram meus primeiros Jogos Olímpicos e também uma grande surpresa.
Aí continuei treinando sem ter ideia de ir para os próximos Jogos e menos ainda para o Rio.
As coisas iam dando certo com os treinos, dia a dia, com bons resultados e por isso me classifiquei para Londres e depois para o Rio. Acho que a evolução foi continuar treinando no dia a dia, pensando em atuar no máximo todos os dias, sem pensar tanto em resultados de longo prazo.
Você sabia desde o início que queria ser profissional ou foi uma decisão posterior?
Não. Na verdade, nunca me considerei um profissional. O judô na Argentina é amador. Sempre fiz isso por hobby e na hora da qualificação para os meus primeiros Jogos Olímpicos tornou-se realidade o fato de eu ser um atleta de alto rendimento, mas nunca profissional.
Você tem um dos melhores recordes da história do judô feminino. Agora que você concluiu esta parte de sua vida, como analisa sua jornada?
Acho que valeu a pena todo o esforço dos muitos dias e anos de treinamento. Acho que esse esforço não foi só meu, mas também de minha família, amigos, treinadores, psicólogo e todos aqueles que de uma forma ou de outra colaboraram desde o meu nascimento. Fui treinado como pessoa e como atleta ao mesmo tempo. A todos eles, sempre serei grato por me acompanharem neste passeio.
Idalys Ortíz é o único que pode competir com você em número de sucessos. Ela é um peso pesado e você é um peso leve. Isso mostra que o judô é um dos poucos esportes em que todos podem participar de forma profissional. O que você acha?
Eu penso igual a você. É um esporte que todos podem praticar, além das características físicas e até mesmo além da idade. Na Argentina, vi judoca praticando aos 80 anos!
O que foi mais difícil durante todos esses anos?
Talvez as lesões, que sempre te fazem voltar atrás no plano inicial e te fazem duvidar do futuro, mas também acabam sempre te ensinando a colocar o plano B em ação.
Qual foi a sua competição mais difícil?
Não havia nenhum em particular, para falar a verdade. Posso dizer que lutar comigo mesmo em todos os treinos ou em todas as competições sempre foi a batalha que mais me influenciou. Quando se tratava de competição, agi de acordo.
Quem foi seu adversário mais difícil?
Eu não sei; Não acho que haja um em particular. Às vezes as brigas até com a mesma pessoa ficam complicadas e às vezes não; essa é a beleza do judô. Não há favoritos, nem lutas fáceis, nem lutas difíceis. Acho que também completa um pouco a ideia da pergunta anterior.
Qual foi a sua melhor luta, a luta em que tudo saiu como você queria?
De novo, não me lembro de nenhum em particular, mas lembro-me de uma turnê que fizemos onde houve 3 eventos em 3 semanas e na primeira competição perdi uma das lutas com uma determinada técnica. Nas duas semanas que se seguiram, planejamos uma tática para evitá-lo e combatê-lo. Na última competição destes 3 tive que repetir a minha disputa com aquele mesmo rival e consegui vencer com a tática que praticamos naquelas duas semanas. Então eu posso dizer que foi um dos programas mais educacionais que o judô me deu. Tudo acabou da maneira que havíamos treinado, começando com uma luta perdida.
Sua melhor memória?
É das Olimpíadas do Rio de 2016. Na arquibancada, quando termina a final e ficam esperando lá para um grande abraço, todos aqueles que tornaram essa conquista possível. Comemorando todo aquele ótimo trabalho com a equipe; comemorando uma medalha de ouro olímpica com todos nós que a conquistamos.
Sua pior memória?
Nos Jogos Pan-americanos de Lima 2019 não consegui brigar pela medalha de bronze devido a uma lesão na coluna cervical. Na verdade, algum tempo depois, fui fazer uma cirurgia para o mesmo ferimento, porque estava colocando minha saúde em risco. Não me senti bem porque, mesmo com as lesões, acho que você sempre deve tentar lutar. Sempre há uma chance de ganhar apenas se você aparecer. Se não, você já perdeu antes de lutar e isso pode dar a sensação de estar se traindo. É por isso que é uma memória ruim. Foi uma luta interna que meu psicólogo conseguiu me ajudar a superar.
Como você pode combinar esportes de alto nível e uma carreira médica?
Estabelecendo uma ordem própria, fazendo um cronograma anual das principais atividades de cada área, com objetivos e possibilidades reais para cada coisa.
Como médico, você aconselharia a prática do judô no mais alto nível? Porque?
Acho que praticar esportes é saudável. No alto desempenho, os atletas sempre sabem que estão no limite. Acho que o conselho é ouvir seu corpo e sua mente para saber o quão longe você pode ir. Essa é uma coisa muito individual e desafiadora sobre a qual aconselhar. Só pode ser sentido muito pessoalmente.
Qual foi o seu torneio preferido, ao qual gostava de voltar todos os anos e porquê?
Eu não tinha nenhum assim, para ser honesto. Só ia aos torneios com a minha equipe, acreditando que eram importantes na preparação para continuar melhorando.
Quem foi seu judoca favorito? Porque?
Um representante da Argentina, que estava lutando com -78kg. Lorena Briceño é seu nome. Ela foi para os Jogos de Pequim comigo depois de duas tentativas anteriores de qualificação, onde não se deu essa chance, devido a lesões ou problemas que não tinham nada a ver com suas habilidades. Mesmo assim, ela nunca diminuiu seu compromisso e continuou a perseguir seu sonho de ir aos Jogos Olímpicos até que o realizasse. Ela não era apenas uma excelente judoca, mas também um grande exemplo de perseverança e objetivos firmes.
Você vai continuar praticando judô no seu tempo livre? Você vai ensinar judô para o mais novo?
No momento, estou apenas contribuindo com minha experiência em questões técnicas. Fisicamente, não estaria em posição de praticá-lo. Já exigi meu trabalho corporal ao máximo e ainda mais. Agora preciso me recuperar.
Tantas coisas! São tantas as contribuições do judô, ensinando como parte da cultura japonesa coisas como respeito, honra, amizade, ordem e gentileza. Tudo o que se aprende no tatame pode ser aplicado à vida cotidiana e torná-la muito mais suportável. Por sua vez, o caminho também me ensinou que às vezes se ganham medalhas e outras vezes é só aprender. Ganhar e perder vão além dos resultados. Tudo depende de como cada um é analisado e do que aconteceu no treinamento ou competição.
Existe vida depois do judô ou o judô faz parte de uma vida?
Sempre há vida. O judô faz parte no meu caso. Não acho que exista 'depois', é apenas terminar um capítulo para começar outro.
Como você gostaria que nos lembrássemos de você?
Que pergunta difícil! Não sei, cada um tem sua opinião. Eu sou apenas eu. Se eu tivesse que me definir diria que fui um judoca sem grandes atributos técnicos mas sempre saí para lutar dando tudo em cada luta, pensando que toda luta era uma batalha, com fé e sabendo que no judô tudo pode acontecer. .
Você tem uma mensagem antes de dizer adeus?
Que não há limites quando o trabalho é certo e por isso o esforço sempre vale a pena.
Se você tivesse que colocar um título para esta entrevista, qual seria?
Judô mental.
Por: Pedro Lasuen - Federação Internacional de Judô
Fotos: Gabriela Sabau, Marina Mayorova e Emanuele Di Feliciantonio
wauu amei a sua historia. eu tambem sou uma judoca
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