Ryan Conceição e Silvana Nagai no início da trajetória do menino e recentemente — Foto: Montagem com fotos de arquivo pessoal e da FERJ
Ao confirmar a vaga na seleção brasileira, Ryan Conceição ganhou um quimono. Era novinho, de um modelo superior, fabricado no Japão. De tão feliz ele abraçou a peça. Era a reação mais genuína e pura de um rapaz humilde, então com 19 anos, que foi "adotado" pela técnica e contou com muita ajuda para despontar como uma das maiores promessas de renovação do judô do Brasil para as Olimpíadas de Paris.
Ryan é a joia mais preciosa já lapidada pela Associação Nagai, um projeto social que atende a cerca de 150 crianças e adolescentes do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Desde os 10 anos, quando aprendeu as primeiras lições na casa que abriga o dojô, o menino se mostrou diferenciado. Não apenas por aprender rápido os golpes, mas pelo empenho em participar.
Judoca do Complexo do Alemão conquista vaga na Seleção Brasileira
- Ele chegou um dia com a mão cheia de moeda para pagar a inscrição de um campeonato pra ele. E eu falei: "Ué, Ryan, onde você conseguiu tanta moeda?" "Ah, sensei, eu fui tocar violino, as pessoas foram colocando moeda pra mim e aí eu consegui dinheiro pro campeonato." Caramba, quando eu escutei aquilo, meus olhos encheram d'água. Desde muito pequenininho o Ryan já demonstrava que queria ser campeão – disse a Sensei Silvana Nagai.
Ryan Conceição foi campeão dos Jogos Escolares da Juventude em 2016 — Foto: Arquivo pessoal
A conexão foi tão grande que Silvana assumiu responsabilidades para muito além dos treinamentos. A avó de Ryan, dona Cleide, era a grande incentivadora. O inscreveu tanto nas aulas de música quanto nas de luta, ambas em projetos sociais, esperançosa de ocupar o tempo do neto com algo produtivo. Quando ela morreu, em 2017, a Sensei assumiu esse papel.
Ryan tinha dificuldades para ganhar peso. Atleta do ligeiro (até 60kg), oscilava entre 55kg e 56kg. Quando foi convidado para passar alguns dias na casa de Silvana para fazer companhia ao sobrinho dela, da mesma faixa etária, rapidamente a balança indicou a evolução. E ela sentiu que, para a evolução dele no alto rendimento, o melhor seria apadrinhá-lo de vez.
- Só nesses quatro dias em que os dois ficaram aqui o Ryan logo bateu o peso. Vimos que estava faltando um pouquinho mais de atenção na alimentação dele e decidimos trazê-lo. Tem uma série de fatores também. Algumas vezes acontece tiroteio ou entrada da polícia na comunidade e tudo tem que parar. Isso atrapalha muito o desenvolvimento dele. Aqui no condomínio eu consigo fazer a preparação física dele.
Ryan com a avó, Cleide. Ela faleceu em 2017 — Foto: Arquivo pessoal
O carinho com que Silvana fala é o mesmo de uma mãe. Ela e a também Sensei Rejane Luna se desdobraram em vários empregos para custear material, alimentação e viagens. Quando as vaquinhas online e rifas não cobriram os gastos, acumularam as despesas no cartão de crédito. Todo o esforço para levá-lo ao alto rendimento é reconhecido pelo rapaz.
- As senseis passam a ser uma família para mim. Isso me ajudou a crescer bastante como cidadão. Ela (Silvana) é rígida mas sei que é para o meu bem. E aqui me sinto muito melhor porque eu posso treinar, eu tenho o direito ir e vir. Na comunidade eu não podia treinar porque tinha tiroteio, e eu via nas redes sociais o pessoal todo postando que estava treinando e eu em casa assistindo à violência passar.
Rumo ao Grand Slam de Tel Aviv
Ryan é o atual campeão brasileiro sub-21 e ficou em segundo lugar na seletiva para a seleção principal. A única derrota dele na competição foi para o experiente Allan Kuwabara, a quem ele mesmo havia derrotado poucas horas antes. As quatro vitórias impressionaram a comissão técnica da Confederação Brasileira de Judô (CBJ).
- Ele foi a grande surpresa. Tinha adversários muito duros, muito experientes. Ele é muito alto para a categoria, então ele tem uma envergadura que o auxilia nesse sentido. É destemido, (...) vai enfrentar com a mesma vontade independente de quem for o adversário dele. Há muito tempo não chega um atleta na equipe masculina com a idade que ele tem – disse o gestor de alto rendimento da CBJ, Ney Wilson.
O desempenho foi tão expressivo que Ryan, que ainda usava a faixa marrom, foi agraciado com a faixa preta por mérito, sem precisar passar por todos os trâmites e burocracias habituais. Silvana havia comprado em 2019, em uma viagem ao Japão, uma faixa preta. Mandou bordar o nome dele em japonês. Finalmente, toda orgulhosa, pode entregá-la ao pupilo.
A primeira oportunidade para Ryan treinar como atleta da seleção brasileira foi em janeiro. Mas pegou Covid-19 e ficou em isolamento enquanto os demais colegas faziam testes e trabalhavam no CT do Time Brasil, no Maria Lenk, no Rio de Janeiro.
Agora Ryan aguarda ansiosamente o embarque para Israel, onde disputará o Grand Slam de Tel Aviv e buscará os primeiros pontos no circuito adulto a partir de 18 de fevereiro. Será também a primeira vez que viajará com os custos cobertos pela Confederação, sem que Silvana ou Rejane precisem se desdobrar para pagar.
– Confesso que estou bastante nervoso. Todo dia que eu durmo eu queria que pulasse logo para a viagem. É muita ansiedade, a primeira vez que vou competir sênior internacional. (...) Fico pensando que aquele investimento que o pessoal fez em mim, que a gente trabalhou bastante, acho que não foi em vão. Agora vou ficar mais tranquilo viajando pela seleção. Eu conquistei isso, conquistei as viagens. E pretendo dar meu máximo.
Associação Nagai precisa de apoio
Chegar à seleção é, além de uma conquista, um alívio no aspecto financeiro, mas não dá a Ryan total tranquilidade. Isso porque hoje ele conta apenas com uma pequena ajuda de custo via Bolsa Atleta. Os custos com pelo menos uma viagem internacional e com todas as nacionais, além de material, seguirão sendo custeadas pela Associação Nagai.
Os esforços de Silvana e Rejane para manter o projeto funcionando são colossais, mas infelizmente insuficientes para que mais alunos sigam os passos de Ryan. Por falta de patrocínio não há fundos para custear inscrições e viagens de mais jovens promissores para competir.
Luiz Alberto Gama de Mendonça, à esquerda, foi patrono do projeto até morrer em 2014 — Foto: Arquivo pessoal
A Associação foi fundada pelo pai de Silvana, no Recife, na década de 1970. Em 2012 o primeiro brasileiro a ser campeão pan-americano de judô, Luiz Alberto Gama de Mendonça, convidou a sensei para dar aulas no então chamado Projeto Social Malacacheta, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Luiz-San, como era carinhosamente chamado, fez o projeto crescer até alcançar 150 alunos e custeava absolutamente tudo. Empresário, ele bancava material esportivo, quimonos e salários. Mas após seu falecimento, em 2014, o apoio acabou. Silvana e Rejane passaram se desdobrar em vários empregos e venderam até comida japonesa para mantê-lo.
Em 2017 as duas formalizaram a Associação Nagai como uma ONG para buscar novas parcerias. Conseguiram bolsas de estudo para mais de 30 alunos, inclusive Ryan, cursarem o ensino médio no colégio Elite. Bateram em muitas portas pedindo patrocínio, mas colecionaram nãos.
- A gente não tem uma estrutura para manter os outros atletas. No início o Ryan já demonstrava esse talento e eu tinha um pouco de medo: “E se ele classificar e eu não tiver dinheiro pra bancar um campeonato pra ele?” E hoje não é só com o Ryan. A gente tem outros atletas que estão se destacando, mas é muito difícil o apoio. Tem muita gente que é voluntária e chega junto para nos ajudar, mas infelizmente chega um momento em que é pela falta do dinheiro que a gente está deixando de dar um passo à frente.
Esse cenário de escassez se torna um prato cheio para os grandes clubes. Ryan foi assediado por algumas das mais tradicionais instituições do país para treinar em locais com melhor estrutura e recebendo salários. Mas, grato a todo o esforço das Senseis, não cogita abandonar o projeto e os companheiros.
Atenta a este movimento, a CBJ tenta ajudar com a parte da estrutura e também indicou Ryan para o programa de atletas das Forças Armadas. Uma vez que se tornar atleta militar ele garantirá uma renda como soldado.
- O Ryan lá é a pedra preciosa do projeto, e todas as atenções estão voltadas para ele. Temos um ciclo olímpico muito curto e temos que ser muito mais assertivos do que a gente já foi até agora, porque qualquer deslize ou qualquer erro que a gente cometa agora não dá tempo de corrigir.