O mestre Odair Borges, 7º Dan, publicou no Jornal Correio Popular de Campinas, no último dia 31 de janeiro, matéria sobre a violência explícita do MMA. A matéria, por solicitação da redação do jornal, foi resumida e o foco todo foi sobre o MMA.
Borges nos forneceu hoje, 05 de fevereiro, a matéria na íntegra, onde tece seus comentários a respeito dessa modalidade e faz comparações com outras modalidades, incluindo o judô. Confira o texto do professor Odair Borges:
MMA : A VIOLÊNCIA EXPLÍCITA
MMA, UFC, PRIDE e outras siglas são sinônimos de briga de rua travestida de luta. Aliás, Mixed Martial Arts (MMA) está sendo usado de maneira equivocada, pois a Luta Olímpica (Wrestling e Greco Romana), Boxe e Judô não são considerados como artes marciais. Deveria chamar-se Street Fight ou Jungle Fight (luta de rua ou luta selvagem).
Entendo por exemplo, o Judô, como uma modalidade de luta que por mediante o domínio técnico procura atingir o domínio de si mesmo, buscando assim, uma plenitude harmoniosa entre corpo e espírito e destes com o universo. Segundo J. Kano (1860-1938), educador, criador do Judô e pai da Educação Física no Japão; “Quando estamos praticando devemos ter consciência do bem que estamos fazendo a nós mesmos, ao nosso companheiro de treino, ao nosso adversário e aos que assistem.”
Nos primórdios do Japão feudal, os vários estilos de lutas eram praticados com objetivo de defesa pessoal de importância vital para o guerreiro Samurai. Fundamentados em seu código de ética, o Bushido, (caminho do guerreiro) os conceitos de honra, coragem, disciplina e respeito eram a essência e o objetivo que buscavam para a formação integral do homem.
Desse modo não podemos deixar de lado as tradições rituais, conceitos filosóficos e a pratica de fundamentos técnicos e pedagógicos indiscutivelmente inerentes ao Judô.
Não é essa a mensagem que atualmente vem sendo disseminada pelos lutadores, instrutores e patrocinadores do MMA, que sem formação e informação acadêmica, pegam carona na bandeira da moda, o que lhes proporciona a evidente exposição midiática, e sem duvida, a pecúnia vindoura. No Brasil, o esperto cérebro do UFC encontrou clima propício e o espaço estratégico como um grande esquema para disseminar a modalidade. É notório em entrevistas tanto de lutadores como dos entrevistadores, comentaristas e cronistas a ignorância sobre o tema lutas, muito menos técnica de lutas, sua história, e princípios filosóficos e educativos das lutas orientais. Alguns lutadores, não afeitos à atividade intelectual, falam sobre respeito e filosofia sem nunca terem vivenciado esse aspecto do “modus vivendi” de uma civilização oriental, como exemplo, a japonesa.
Observando lutas anteriores de MMA, já vimos “nossos famosos” e também estrangeiros, que, de forma rixenta, arrogante e prepotente, humilham e desrespeitam adversários. Se tivessem a oportunidade de assistir um dia de treinamento de algumas modalidades de lutas em Universidades japonesas, principalmente Judô, Sumô ou Kendo, ou mais fácil, assistir os torneios de Sumô transmitidos pela televisão japonesa, já teriam uma idéia do que é: cultura, respeito social, hierarquia e disciplina.
Comprovando o desconhecimento técnico, em recentes entrevistas, foi apresentado, como “novidade”, uma determinada técnica de chute que o lutador entrevistado disse ter aprendido recentemente, com um artista de cinema, apesar de, há pelo menos 500 anos, ser praticada como técnica das modalidades Karate e do tradicional Ju Jutsu (JiuJitsu).
Em simples análise técnica, a luta de MMA resume-se na sua maior parte em socos sem conhecimento de boxe. Como disse nosso grande campeão Eder Jofre “se fossem lutar na regra do boxe não aguentariam um minuto”. Na luta em pé, quando agarrados não dominam as técnicas de arremesso, o que dificilmente conseguiriam aprender em pouco tempo. Na luta no solo, alguns praticam Ju Jutsu (JiuJitsu Brasileiro), mas a fragilidade técnica não permite finalizações em nítidas oportunidades, desse modo, preferem com força canhestra, socar o adversário, extravasando a própria estupidez, caracterizando assim, a luta como briga de rua. Há pouco tempo, quando de transmissão direta pela TV, torcedores de uma equipe de futebol, após assistirem em sua sede as lutas de MMA, saíram às ruas e mataram a socos e ponta pés outro torcedor de equipe rival de futebol, levados que foram pela violenta emoção. É a união perfeita: torcidas de futebol e os fanáticos adeptos do MMA. E logo após o Big Brother, teremos o Reality Show de lutadores culminando com o próximo MMA. É a celebração da ignorância!
Poucos dias antes do inicio do último circo do MMA no Rio de Janeiro, durante entrevista coletiva, torcedores em manifestação grotesca e aos gritos de “Vai morrer! Vai morrer! Vai morrer!”, impediram o lutador americano Chad Mendes, desafiante do Brasileiro José Aldo, de ouvir as perguntas dos jornalistas credenciados.
Essa briga de rua denominada MMA, nada mais é que o retorno aos combates sangrentos da antiga Roma, que só era admirado pelos pervertidos imperadores Caligula (12 - 41 AD) e Cômodus (161-192 AD). Demonstra a supremacia da nova afirmação da fera sobre o homem, levando jovens praticantes a serem adestrados para demonstrações narcisistas em busca de afirmação, através da agressão física.
Estão na mídia as agressões a professores, invasão de Universidades, alunos armados e brigas de torcidas. Os jovens estão perdendo suas referências e seus ideais, que lhes dariam a consistência emocional e equilíbrio para seu convívio social, deixando-se levar por supostos prazeres, poderes e exibições. A mídia por sua vez, apresenta o programa de lutas ou o “Panes et Circences”, como sendo a mais pura e moderna atração contemporânea. Ao mesmo tempo, o grande público vê nesse teatro de violência a oportunidade para exteriorizar uma perigosa agressividade que transcende o evento esportivo e que muitas vezes sem motivo aparente é transferida para a convivência social. Podemos até pensar numa mostra de indignação dos que assistem, influenciados que estão, pela destruição de valores que temos presenciado em nosso meio político e social, que nos leva a pensar sobre o que é certo ou errado no comportamento das pessoas. Nesse “Mixed” o mais importante é o Ibope e o lucro financeiro, sem a mínima preocupação com as crianças e adolescentes que serão influenciadas nesse tsunami de violência.
Em análise acadêmica, fundamentada em pesquisa cientifica, de acordo com a teoria de aprendizagem social, (Bandura e Walters, 1963) reforçam o conceito de agressão imitativa por meio do qual, crianças expostas a uma atividade agressiva de adultos, imitam esse comportamento, especialmente quando o modelo adulto é observado sendo bem sucedido e recompensado. Segundo (Elias e Dunning, 1986) os benefícios econômicos e o prestígio fazem com que se deixe de lado a rivalidade amistosa convertendo-a em rivalidade hostil.
É bem estabelecido na literatura que o reforço influencia fortemente o comportamento futuro. Para (Skinner,1953), atos de violência, emanam de uma variedade de fontes que podem ser convenientemente agrupadas;
O grupo de referência imediato do atleta, especialmente: professores, treinadores, companheiros de equipe, amigos e família.
A estrutura do esporte principalmente no que diz respeito: ao ambiente de aprendizado e prática, às organizações esportivas, promotores, patrocinadores, empresários e agentes esportivos, cujo objetivo é apenas o lucro financeiro sem a preocupação educacional.
Atitude e fanatismo de fãs e torcedores, a mídia na procura de audiência e a sociedade em geral.
A agressividade como um estereótipo masculino desejável é talvez uma causa arraigada e significativa do reforço positivo que os atletas masculinos recebem para agirem agressivamente. Quanto a isso os pais têm um importante papel na orientação de valores apropriados no comportamento social de seus filhos.
As atuais modalidades olímpicas de lutas são orientadas com uma responsabilidade de estabelecer exemplos desejáveis de comportamento, bem como a atuação de atletas de alto nível com o poder de influenciar gerações.
Assumindo-se que o instinto para o comportamento agressivo do indivíduo é uma constante, cabe portanto ao Educador, quando utilizar das lutas como conteúdo programático, explorar os aspectos educativo, filosófico e social, de suma importância no ensino de qualquer modalidade de luta.
Como exemplo, o Judô em si mesmo se apresenta como uma manifestação de racionalidade e não um simples ato de força física. Sua combinação de luta e ética, sua riqueza de tradição, cultura e princípios filosóficos, tem como objetivo a formação do ser humano, idealizado que foi, para modificar e educar a agressividade primitiva do ser humano, canalizando-a para seu próprio enriquecimento em beneficio da sociedade.
Autor: Prof. Ms. Odair Borges
Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo.
Professor USP/PUCCAMP.
7º Dan em Judô. 7º Dan em Jiu Jitsu. 4º Grau em Jiu Jitsu Brasileiro.
Grande artigo.
ResponderExcluirFalou com toda propriedade o Mestre Odair Borges.
ResponderExcluirMuito bom. Não sou especialista em artes marciais e técnicas de defesa pessoal, mas tinha escrito algo parecido e esse artigo só veio corroborar com meu pensamento.
ResponderExcluirParabéns.