Fazia muito calor em Hanói, a segunda maior cidade do Vietnã, e a escocesa Stephanie Inglis colocou uma saia comprida para ir à escola onde dava aula de inglês para crianças carentes. Era 10 de maio de 2016, pouco menos de três meses antes da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio. Competição que a judoca de 28 anos perdeu a chance de se classificar por causa de uma cirurgia no joelho direito.
Ela decidiu tirar três meses sabáticos no Vietnã. Estava impedida de treinar e se recuperava da decepção de não realizar o grande sonho da vida. Nem queria ver nada pela televisão.
Chamou um mototáxi após a aula. No caminho, seu vestido enroscou na roda do veículo. Stephanie caiu. Disso ela se recorda. A lembrança seguinte que tem é a de acordar do coma, seis semanas depois, em Edimburgo, capital da Escócia.
"Disseram-me que eu posso ter flashbacks do acidente, no futuro. Até agora, não lembro de nada. Melhor assim. O que recordo é que a operação para reconstruir o joelho me tirou a chance de tentar ir ao Rio. Foi difícil de aceitar, mas contusões fazem parte da vida de qualquer atleta", afirma Stephanie, em entrevista ao UOL Esporte.
Na queda, ela quebrou o pescoço em dois lugares e teve fratura no crânio. Sofreu lesões cerebrais. O atendimento foi caótico porque seu seguro de saúde estava vencido. Ficou três horas abandonada em um ambulância enquanto era decidido quem pagaria o tratamento. Quando os pais Robert e Alison chegaram ao Vietnã, a primeira coisa que ouviram era que a filha estava tecnicamente morta. No hospital, contraiu pneumonia, septicemia e trombose.
Os médicos lhe deram 1% de chance de sobreviver.
"Quando meus pais me contaram tudo o que havia acontecido, não acreditei. Não era possível! Mas pediram que eu me concentrasse no que havia pela frente, não no passado", completa.
Renascimento após acidente
Oito meses após o acidente que tinha 99% de probabilidade de matá-la, Inglis dá os primeiros passos para fazer algo que os médicos ainda torcem o nariz: voltar ao esporte. Ela não se conforma como seu sonho foi interrompido. De alguma forma, sente que há algo de bom por lhe acontecer no judô.
"Eu ia abandonar tudo em 2014, mas ganhei a medalha de prata nos Jogos da Comunidade Britânica. Isso me fez subir no ranking e as chances de ir ao Rio passaram a ser reais. Eu vou voltar aos treinos assim que puder", afirma a judoca que compete na categoria até 57 quilos.
Pode parecer absurdo afirmar isso sobre quem teve de passar por um processo que envolve múltiplas cirurgias, fisioterapias e sessões com fonoaudióloga mas, quando Stephanie acordou do coma, o pior havia passado. A estimativa era que seriam necessárias 250 mil libras esterlinas (R$ 980 mil) para custear todo o tratamento e levá-la de volta para a Escócia.
A família, que mora na cidade de Inverness, não tinha esse dinheiro. Um amigo criou conta em site de crowdfunding para aceitar depósitos. Em poucos dias, recebeu doações do mundo todo. Conseguiu 327 mil libras (R$ 1,3 milhão).
A viagem para o Vietnã foi uma forma de mudar de ares, ter outras experiências. Stephanie sempre quis trabalhar com crianças. Tanto que dava aulas de manhã e à tarde. A volta para casa estava programada para acontecer semanas após o acidente.
"Eu estava me divertindo bastante. Também sempre quis morar alguns meses no exterior, então parecia uma combinação perfeita. Quando soube a quantidade de dinheiro que conseguiram para me ajudar... Fiquei chocada! Tudo foi um grande pesadelo, mas quando me falaram sobre a campanha fiquei emocionada. Essas pessoas salvaram a minha vida".
Caminho para o sonho olímpico
Stephanie tem na cabeça um cronograma. Ela ainda tem de passar pela última cirurgia no processo de recuperação. Vai colocar uma placa de titânio no crânio. No momento, está proibida de realizar qualquer atividade física porque não pode correr o risco de sofrer uma queda. Para aliviar a pressão no cérebro, os médicos retiraram pedaços de ossos da cabeça. Ela tem mais alguns meses de fisioterapia. Enquanto isso, quer ensinar judô. Até o fim de 2017, deseja voltar a treinar.
A escocesa não tem ideia do que acontecerá. Se vai conseguir voltar a competir em alto nível. Se após os ferimentos e a inatividade forçada, retornará a ser a mesma atleta de antes. Mas vai tentar, embora esteja preparada para todas as alternativas.
"Os médicos chegaram a dizer que eu teria de desistir do judô, o que me deixou muito nervosa. Era algo que fugia do meu controle. Mas depois me falaram que era possível retornar, desde que eu soubesse respeitar meus limites. Sinto que ainda tenho muito a oferecer ao esporte e não quero fugir disso".
A Olimpíada continua como o sonho. Em 2020, a sede será Tóquio. Se tudo der muito certo, Stephanie vai se despedir, enfim por vontade própria, nos Jogos da Comunidade Britânica de 2022, na África do Sul.
"Olimpíada ainda é um grande objetivo para mim. Não consigo pensar em nada mais emocionante do que competir nela. Minha meta de longo prazo é competir também nos Jogos da Comunidade Britânica. Tenho muito tempo para chegar lá".
Stephanie Inglis terá 34 anos em 2022. É um planejamento ambicioso. Mas nada para quem há oito meses tinha 1% de chance de continuar viva.